domingo, 29 de março de 2009

As "viagens" do Avô Pisco - I



Andava há imenso tempo a tentar reconstituir o curriculum marítimo de Manuel Simões da Barbeira (Capitão Pisco), meu Avô (1885 – 1953), mas, dos primeiros anos, não sabia praticamente nada. Ainda ninguém me tinha conseguido ajudar a preencher as lacunas que eu tinha. Quem espera sempre alcança. Parece que chegou a ocasião agora, graças ao precioso trabalho de pesquisa levado a efeito pelo amigo Reimar e ao apoio que me deu.

O Avô Pisco comandou o iate Mondego, com 23 anos, de 1908 a 1911.

O iate Mondego (1908 – 1917) foi construído em Setúbal, com o nome de Novo Flôr em 1899. A partir de 1908, passou a chamar-se Mondego, na Sociedade Pescarias Foz do Mondego e, posteriormente, ainda usou os nomes Nazareth e Apollo, passando por mais empresas.
Com um comprimento de cerca de 31 metros, 8,06 m. de boca e 3,17 m. de pontal, acolhia uma tripulação de 24 homens.

O iate Mondego, in Ilustração Portuguesa


Naufragou durante a viagem dos bancos da Terra Nova para Aveiro, em 1924.

1912 e 1913 – Comandou o lugre Golphinho, da Figueira da Foz.


Lugre Golphinho


1914 – Naufragou no Golphinho, tendo perdido o navio, por colisão com uma ilha de gelo – assunto já divulgado neste blog.


1915 a 1917 – Comandou o lugre-escuna Figueira.

O lugre-escuna Figueira foi construído em Inglaterra em 1904, tendo sido o ex-Becca and Mary, até 1913 e, então registado, na Figueira da Foz.
Com o comprimento de 32, 34 metros, 7 metros de boca e 3,40 m. de pontal, não tinha motor auxiliar. Além de Manoel Simões da Barbeira, nele embarcaram também os seguintes capitães: João dos Santos Redondo (1913 e 1914), Manoel Carlos Fingre (1918) e Amandio Fernandes Mathias (1919).
Foi vendido ao capitão de Ílhavo, António José dos Santos, tendo sido registado em Aveiro, passando a ser o Alcion, em 1920.
Na campanha de 1945, propriedade da Empresa Comercial & Industrial de Pesca “Pescal”, passou a denominar-se Lousado. Naufragou, com água aberta, em 1953, no Virgin Rocks.

1918 – Capitaneou o lugre Voador, da Figueira da Foz.

O lugre de madeira Voador construído em Fão, por António Dias dos Santos, para a Sociedade de Pesca Oceano, da Figueira da Foz, foi lançado à água em 26.9.1911. A Gazeta da Figueira de 26 de Outubro de 1912 refere que, a reboque do vapor Liberal, entrou a barra da Figueira, em Outubro, o lugre Voador. Apesar de construído em Esposende, este navio veio em casco e os últimos acabamentos, incluindo os mastros, teriam sido feitos na Figueira.

Com um comprimento entre perpendiculares de 40, 53 metros, boca de 9, 18 m. e pontal de 3,87 m., não tinha motor auxiliar e albergava 19 tripulantes.

Efectuou a última campanha em 1930.

Lugre Voador


Esta foi uma das fotografias, relíquia do passado, que juntamente com a do Golfinho ornamentavam as paredes de uma das recoletas da casa de praia que foi dos meus avós, na Costa-Nova, demolidas em 1991.

Adquirido o supra-citado navio, na campanha de 1934, pela firma Ribaus & Vilarinho, Lda., da Gafanha da Nazaré, viria a ser o Navegante Segundo, até 1949, ano em que naufragou com água aberta, no Virgin Rocks.

1919 – Foi o segundo capitão do lugre-patacho Gazela Primeiro.


Aos ilhavenses que capitanearam este emblemático lugre, já foi dedicado um post, neste blog.

Gazela Primeiro - F.Baier


1920 – Não foi possível, até à data, localizar em que navio prestou serviço, ou, se, porventura, ficou em terra, o que não creio muito.

(Cont.)

Fotografias – Arquivo pessoal da autora, com a colaboração de vários Amigos

Ílhavo, 29 de Março de 2009

Ana Maria Lopes
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quarta-feira, 25 de março de 2009

Abre hoje a Feira de Março



Isto é só para lembrar… Para mim, a Feira de Março, apesar da vetustez dos seus 575 anos, já foi, já era. Já deu o que tinha a dar.

Quando vinha de férias da Universidade, que agradável era ir até à Feira de Março! Era mesmo obrigatório experimentar as sensações dos divertimentos mais ousados, para a época – comboio-fantasma, cadeirinhas voadoras, poço da morte –, ir ao Circo, flanar, pavonear as toilettes já primaveris, almejar encontros agradáveis, “flirtar”, renovar as “bijouterias”, etc., etc.…. O ambiente favorecia a diversão!

Mas porquê no Marintimidades, estas intimidades? Apesar dos meus verdes anos, os barcos moliceiros já não me eram indiferentes. E daí ficou a chapa que bati em 25 de Março de 1961. Não há dúvida que já atraíam as minhas atenções. Eis a prova.

Inauguração da Feira de Março – 1961


A ria, inspiradora e calma, espelhava a paisagem!
Estava um bonito dia primaveril! O Rossio é sempre o Rossio! Alimenta-se da água que bebe!

Além do mais, era hábito os barcos moliceiros estarem presentes, por iniciativa dos arrais, movidos pela tradição, em razoável número, no Canal Central, para exibirem as suas elegantes formas e garridismo cromático. Com eles vinham, também, alguns mercantéis, mais pesadões, mas sempre pujantes senhores da laguna.

Acontece que o próprio concurso de painéis, a que ainda hoje não falto, integrado nas Festas da Ria, começou por ser uma iniciativa da Comissão Municipal de Turismo do Concelho de Aveiro, que instituiu um prémio pecuniário para o barco com melhores painéis, realizando-se, em princípio, a 25 de Março, na altura da tradicional Feira.

O primeiro concurso, no qual o 1º prémio foi atribuído ao Mestre Joaquim Raimundo, da Murtosa, teve lugar em 1954. O número de barcos concorrentes, nos primeiros concursos realizados, oscilava entre os 16 e os 25.

Mas a Feira de Março de 1964 excedeu todas as expectativas com a presença de sessenta embarcações!

Edição da Comissão Executiva – 1952



Com a Feira bem longe do Rossio, ao menos que a Festa da Ria prossiga, em cada Verão, desde que se mantenham, ainda, alguns barcos moliceiros apresentáveis.
Ler mais no DA. de hoje.


Fotografia – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 25 de Março de 2009

Ana Maria Lopes

segunda-feira, 23 de março de 2009

A apanha da galeota



São 23 de Março. Eis o primeiro pregão! Este ano tardou, porque o inverno foi muito chuvoso.

Galeooooota!
Compradoras assomam às portas!

Já há galeota – diz-se.

É tempo dela! Pregão único, mas bem timbrado, prolongado e amiúde!

Dura, de um mês a mês e meio, a venda da galeota pelas ruas de Ílhavo e zona das Gafanhas, porta a porta. Recordo os pregões desde sempre, mas de ser, tão!..., tão miudinha, era peixito que nunca me cativou. Se bem que um petisco para muita gente! No início da safra, é sempre cara como fogo; pudera! – há um ano que não se lhe chinca!!!! Mas à medida que se banaliza (por se ir transformando no lingueirão), o preço desce, permitindo que bolsas menos ricas lhe acedam.

Sempre mais preocupada com as embarcações e processos de pesca usados do que com os prazeres gastronómicos, ia frequentemente até à Costa-Nova (junto à Biarritz e San Sebastian), observar a sua apanha e ver as redes, bastante sui generis, nos trapiches, a secar. Pelos anos 80 recolhi os dados, que, agora, me dão um jeitão.
Hoje era capaz de já ter preguiça de andar, de botas de água pela borda da ria ou junto às coroas, para gravar conversas e bater chapas.

A rede da galeota é uma arte de cerco ideada especialmente para a captura daquele peixe.
Consta, essencialmente, de uma tira de rede, que adelgaça para os calões, tendo, no centro, um rectângulo de pano branco. Este pano, antigamente um lençol já puído, é, actualmente, substituído por um cortinado também fora de moda, de nylon, de textura adequada.
O comprimento da rede é de cerca de 30.00 metros e os calões medem cerca de 0,40 m. de altura. A arte é feita com rede usada, de traineira.

Uma bateira vulgar (ou qualquer outro género de embarcação de fundo chato), é o tipo de embarcação utilizada neste processo de pesca.


A rede junto ao calão


Fica um pescador em terra aguentando o cabo do reçoeiro, enquanto a bateira se afasta da margem, largando a rede, a favor da corrente.
A partir do meio da rede, a embarcação dirige-se para a margem, completando o cerco, para o que fez um percurso, sensivelmente, em semi-círculo.

A zona do pano branco da rede


Abicada a bateira, os pescadores saltam para a água e, em conjunto com o que havia ficado na margem, alam a rede. Vão-lhe dando sacudidelas rítmicas, para espantar e conduzir o peixe para o pano. Percorrem a tralha da cortiça, até que ao chegar ao centro, com a galeota agrupada junto ao pano, levantam a rede fora de água, deitando o produto do lanço no quete da embarcação.

Pescadores levantam a rede


A galeota, quando perseguida, esconde-se na areia branca, enterrando-se rapidamente. A arte aproveitou engenhosamente esta particularidade, pois o pano branco consegue enganar a galeota, dando-lhe a ilusão de areia. Por vezes, apenas dois pescadores lançam a rede.
A época da galeota começa em meados de Março e prolonga-se até aos fins de Abril, variando ligeiramente com a influência das condições meteorológicas, das marés, da transparência e calmaria das águas.
A galeota mais apreciada pelos entendidos é a primeira, por ser mais pequena (a larva do lingueirão). Depois de crescida, já não é tão saborosa (dizem os degustantes).

Apanhado o petisco sazonal, é preciso fazer o seu escoamento imediato no mercado da Costa-Nova, nos restaurantes da zona, porta a porta, em grito estrídulo:
Galeooooota!

Compradoras aparecem às portas!

Avia-se a freguesa…


Curioso o processo de venda, no passeio ou à porta, medindo a porção a fornecer à cliente, pelas mais variadas e expeditas maneiras: a mais típica, a concha da mão, formada pelo indicador enrolado, circundado pelo polegar; o copinho de vidro, em alternativa ao pires da chávena de café e, modernamente, também, o copinho de iogurte.

Peixeira atende no passeio...


E o pregão continua, estridente e bem sonante: Galeooooota!

Regateia-se preço e medida; se a vendedeira é enganadeira, basta-lhe fechar mais os dedos, variando a capacidade da concha. Ou tenta pôr mais água enquanto que a freguesa prefere o peixinho a nadar menos.

Em anos de fartura, como foi o ano passado, no final de época, até se pode ajustar também ao quilo.
O petisco mais vulgar será a caldeirada; mas também há quem faça, posteriormente, uma papa rala de farinha de pau, recuperando a molhanca da caldeirada. Existe ainda uma receita mais sofisticada: as pataniscas (bolos) de galeota.
Galeooooota! Galeooooota! – Ouve-se cada vez mais ao longe!!!

Fotografias – Cedência de Paulo Miguel Godinho

Ílhavo, 23 de Março de 2009

Ana Maria Lopes

sexta-feira, 20 de março de 2009

A matola



Não foi engano, não – a matola. A “língua portuguesa é muito traiçoeira” e, no domínio das embarcações, não foge à regra e também faz “jus” à sua diversidade e ambiguidade.
É, pois, a exígua matola, também com direito a ser vedeta.

E, quanto à preservação, teve mais sorte que o matola, pois um exemplar do princípio do século XX é exibido na Sala da Ria do MMI, tendo sido incorporado no espólio do museu, por essa data, segundo informações fidedignas.
Como era? E para que servia?
Ei-la, nas instalações do MMI., anteriores às actuais, em exposição.

A matola


Também conhecida por ladra, esta singela embarcação, de fundo chato, media 4 metros de comprimento, 1,20 m. de boca e 0,35 m. de pontal . Manejada à vara, com seis cavernas e toda embreada a negro, utilizava-se na recolha do moliço, em locais em que o barco moliceiro não podia chegar, devido à pouca profundidade das águas. Seguia, a reboque, da elegante embarcação lagunar.

Apanhava, normalmente, o arrolado, isto é, o moliço que escapava dos ancinhos de arrasto, ficando a boiar, ou o que se desprendia pela agitação das águas, indo dar às praias.
O arrolado servia para cama de gado, usava-se para caldear no moliço verde e era arrematado, todos os anos, na Capitania. Nos locais onde não era arrematado, apanhava-se livremente e “monteava-se” na praia.

Fotografia – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 20 de Março de 2009

Ana Maria Lopes

terça-feira, 17 de março de 2009

O lugre Maria Frederico



O Maria Frederico, navio de madeira, armava em lugre de três mastros, com motor auxiliar.

Media 48,40 metros de comprimento, 9,40 m. de boca e 4,50 m., de pontal. Tinha motores especiais para água, bombas e guincho.

Houve especial cuidado com as instalações da tripulação, para 42 homens, à proa, e mais 10, à ré.
Equipado com T.S.F., era accionado por um motor Deutz de 150 HP. Tinha vastos porões, para perto de 9 000 quintais de bacalhau e deslocava cerca de 800 toneladas.

Esta nova unidade, com traçado do engenheiro naval Valente de Almeida, foi construída por António Pereira da Silva, na Gafanha da Nazaré, nos estaleiros privativos da Empresa de Pesca de Portugal, Lda., de que era gerente, à época, Francisco António de Abreu.

Raro postal editado pela Empresa



O seu bota-abaixo foi a 26 de Novembro de 1944, tendo sido madrinha da nova unidade, Maria Frederico Branca de Abreu, filha do gerente da empresa.

A Gafanha da Nazaré, como sempre, transbordava de gente, alegria e movimento; todos os caminhos iam dar ao estaleiro. Camionetas, automóveis, lanchas da carreira, bicicletas, acarretavam curiosos e convidados.
Jornalistas, enviados especiais, uma brigada da Emissora Nacional, operadores de imagem, autoridade, todos ali estiveram para assistir ao acto sempre emocionante e comovedor.

Depois das etapas próprias do evento, isto é, do quebrar da garrafa simbólica de espumante, da bênção da nova unidade e dos discursos da praxe, cortaram-se as últimas escoras e o construtor, em nome de Deus, da Empresa e a Bem da Nação, convidou o Sr. Comandante Tenreiro a cortar o cabo da bimbarra.

Chincalham ferros, estrondeiam escoras, rangem madeiras, e todos fixam os olhos no navio, que deslizando serenamente, primeiro, e com mais velocidade depois, percorre a carreira ensebada, fazendo um pequeno arco, enquanto lá de cima o capitão ilhavense Mário Paulo do Bem e alguns marinheiros, acenam comovidos.
Em terra, ribombam foguetes, batem-se palmas de satisfação e grita-se de alegria esfusiante
.(O Ilhavense de 2.12.1944 – adaptado)

Terminada a cerimónia do bota-abaixo, foi servida aos convidados uma “lauta merenda”, na seca da Empresa, ali perto da Malhada, ainda hoje conhecida por “seca do Abreu”, mais tarde instalações da Tavares & Mascarenhas, S. A., vendida a Pascoal & Filhos S. A., em 2006.
O lugre teve uma existência regular, com carregamentos bastante razoáveis, embora efémera – apenas oito anos.

À entrada da barra de Leixões – Fotomar – Matosinhos



Além do capitão que nele fez a viagem inaugural, comandou também o Maria Frederico, o ilhavense Manuel de Oliveira Vidal Júnior (n. em 19.11.1921 e já falecido), de 1947 até 1952, ano da sua perda.

Durante a campanha de pesca, sem acidentes de vulto até então, o G.A.N.P.B. recebeu um radiograma de bordo do Gil Eannes, a comunicar que o Maria Frederico se incendiara no dia 12 de Julho de 1952, tendo sido abandonado por toda a sua tripulação, salva e distribuída por outros navios que se encontravam a pescar, junto dele, nos Grandes Bancos.


Chocante incêndio


Sem perda de vidas, no meio deste horrível desastre, a tripulação, bastante heterogénea (Ílhavo, Gafanhas, Fuzeta, Nazaré, Cova, Buarcos, Afurada, Póvoa de Varzim), como era hábito, foi, rapidamente, repatriada.

Arrepiante…!


O que me levou a debruçar, com minúcia, sobre o Maria Frederico?

Já há uns largos anos, Francisco Marques e eu achávamos as imagens que mostramos duma grandeza chocante e arrepiante, o chamado belo horrível. Era nossa intenção vir a realizar uma exposição fotográfica sobre naufrágios de bacalhoeiros. Por várias razões, não foi possível levar essa tarefa por diante. Outros poderiam, eventualmente, aderir à ideia, com paixão e entusiasmo.

Ainda é tempo de revisitar a Faina Maior, sempre inacabada, feita de pequenos e grandes dramas, vividos por homens com os quais tivemos ainda o prazer de partilhar momentos dessa grandeza heróica.

Fotografias – Amavelmente cedidas pelo MMI (naufrágio), Fotomar e Reimar(postal).

Ílhavo, 17 de Março de 2009

Ana Maria Lopes
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quinta-feira, 12 de março de 2009

O lugre Ariel

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Fiz várias consultas para saber um pouco mais do Ariel, bonito lugre que também fez parte daqueles que tiveram como cemitério a barra de Aveiro, em princípios do século XX.
Mas com tão, tão curta existência, não poderia ter longa história. Foi o que consegui.

O Ariel, lugre de madeira, de três mastros, com arqueação líquida de 191 toneladas, foi construído na Gafanha da Nazaré por Manuel Maria Bolais Mónica para a Companhia Aveirense de Navegação e Pesca, Lda., de Aveiro, e lançado à água no dia 7 de Abril de 1919.
Há quem lhe tenha atribuído como primeiro proprietário Testa & Cunhas, mas, em minha opinião, tal seria impossível, pois a empresa ainda não estava constituída.

Única foto conhecida do Ariel


Depois de realizar a 1ª campanha na pesca do bacalhau, naufragou à entrada da barra de Aveiro, em virtude da escassez de vento e agitação do mar, no dia 11 de Novembro de 1919.
Durou sete meses, de Abril a Novembro.

Sabendo-me interessada no assunto, pessoa amiga fez-me chegar às mãos estas notícias, que, por raras, não deixam de ser curiosas.

Título – "Barco em perigo"

De Aveiro foi pedido ao Ministério da Marinha um rebocador com a força precisa para socorrer um navio em perigo.
In "Comércio do Porto", 12.11.1919


Título – "Lugre encalhado – Os socorros"

Pela Capitania de Aveiro, foram na noite de anteontem pedidos socorros para a Capitania de Leixões, por se encontrar encalhado na barra de Aveiro, um lugre português, cujo nome se desconhece e que parece ser bacalhoeiro. Imediatamente foram dadas ordens para saírem daquele porto a Canhoneira "Limpopo" e o rebocador "Magnete".
Estas embarcações, que voltaram ontem para o porto de Leixões, onde chegaram pela 1 hora da tarde, nenhum socorro puderam prestar, devido à forte agitação do mar. O lugre continua na mesma posição.
In "Comércio do Porto", 13.11.1919


Título – "Naufrágio"

Acerca do navio que naufragou na costa de Aveiro, a que nos referimos, recebemos do nosso correspondente em Ílhavo as seguintes informações, que o correio nos retardou, pois que as devíamos ter recebido anteontem…

Ílhavo, 12 – O lugre "Ariel", que regressava da pesca do bacalhau com um carregamento de cerca de cinco mil kilos de peixe, ao demandar ontem, à tarde, a nossa barra, encalhou num banco de areia, e perdendo o governo por falta de vento, veio dar à costa ao sul da barra.
A tripulação foi salva com um cabo de vaivém, e é possível salvar-se parte da carga.
O "Ariel" porém considera-se perdido. Era um lindo barco, construído há pouco nos estaleiros da Gafanha, sendo esta a primeira viagem que fazia.
In "Comércio do Porto", 14.11.1919

Obrigada, pois, pelas informações conseguidas, após 90 anos do acidente, que vitimou o Ariel.

E aos poucos, se vai reconstituindo a história trágico-marítima da nossa frota bacalhoeira.

Fotografia – Amável cedência do MMI.

Ílhavo, 12 de Março de 2009

Ana Maria Lopes

domingo, 8 de março de 2009

O arrastão Cidade de Aveiro adornado...



Às vezes, basta uma simples fotografia que me é oferecida ou me vem à mão, para provocar o rabiscar de um post.
Neste caso, foi esta:

O Cidade de Aveiro adornadoMarço de 1969



Quem não foi ver? Quem não se emocionou? Uma tragédia plasmada e reflectida nas águas calmas da nossa ria, ali, na Gafanha da Nazaré.

Percorrem-se arquivos, relêem-se jornais da época, aviva-se a memória e monta-se o “puzzle”. Faz hoje quarenta anos.

Ao amanhecer do dia 8 de Março de 1969, tocou insistentemente a sirene dos Bombeiros. O sono foi mais forte, mas de manhã, o que aconteceu, o que não aconteceu…era um burburinho por todo o Ílhavo. O Cidade de Aveiro, tinha-se virado, de noite, na Gafanha da Nazaré.

O Cidade de Aveiro? Aquela bisarma! Um dos melhores, um dos mais recentes e mais modernos navios de pesca construído em Portugal, o segundo daquele tipo de arrasto pela popa, tinha-se voltado?.... Era um espectáculo, se bem que emocionante, a não perder. Sem condições adversas, sem ilhas de gelo, sem interferências externas, sem temporais, o que teria acontecido? Nunca foi muito bem aclarado, creio; ou, pelo menos, não veio a público. Provavelmente, também não conviria.

O Cidade de Aveiro, pertença da empresa João Maria Vilarinho Sucr., Lda., tinha sido construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e entregue ao armador, em Abril de 1966, a cujo bota-abaixo tinha assistido o Ministro da Marinha.

Com um comprimento fora a fora de 83, 40 metros, boca cerca de 13 m. e pontal de 5, 60 m. e uma arqueação bruta de 1401,98 toneladas, era accionado por um motor Diesel, 2800 Bhp, 750 rotações por minuto, atingindo uma velocidade de 15 nós.

O Cidade de Aveiro no dia do bota-abaixo, no Estaleiro de Viana – 1966



Aquando do acidente na Gafanha da Nazaré, era seu Capitão o Sr. Joaquim Manuel Marques Bela, de Ílhavo (n. em 7.3.1929), que o comandou de 1967 até 1979.

Então, como já referi, tombou para EB, o Cidade de Aveiro, mesmo juntinho ao Cais dos Bacalhoeiros, no baixa-mar.

Tinha chegado há pouco dos pesqueiros com 18 000 quintais de peixe, que estava a descarregar, quando, inesperadamente, assentou no lodo do fundo, tendo virado.
Os prejuízos causados, apesar do seguro, foram vultuosos, não tendo podido o navio fazer a viagem seguinte.
As entidades competentes procuraram saber a causa da ocorrência, mas pelo menos, exteriormente, nunca se souberam os verdadeiros motivos: deficiente amarração do navio?... Estabilidade insuficiente?...Teria sido descarregado o peixe dos porões e teriam sido deixados no convés, por descarregar, muitos tambores de óleo?

Após esforços avultados de técnicos experientes, as operações de salvamento foram coroadas de êxito, já que não se acreditava na capacidade de o navio voltar a flutuar.
Uma draga cavou um fosso junto à quilha do navio, em todo o comprimento. Com molinetes a puxá-lo da outra margem do canal, em consonância com as marés, ao fim de muito esforço, a quilha assentou na cova feita pela draga e o navio começou a endireitar-se.

Volvidos mais de dois meses, voltou ao Tejo, a reboque dos rebocadores Praia da Adraga e Praia Grande, da Sociedade Geral, para receber as reparações necessárias, arrematadas pela firma H. Parry & Son, no valor de 15 180 contos. Com os trabalhos complementares, a despesa do salvamento do navio ficou em cerca de 19 000 contos.
Tinha pela sua frente mais uns anos de pesca, poucos, com bons carregamentos, já que a sua existência foi efémera.

O arrastão Cidade de Aveiro


Na fatídica tarde do dia 3 de Outubro de 1979, quando o navio navegava em condições normais, já de regresso, no mar dos Açores, uma explosão na casa das máquinas, que provocou um violento incêndio a bordo, atirou-o para as profundezas do Oceano. A tripulação abandonou o navio nas baleeiras de bordo, que foram socorridas por um navio russo, que os transportou para Leixões e por um cargueiro francês, que seguiu viagem até ao Havre. Infelizmente, o mar e as suas contingências não perdoam e o segundo maquinista, João Alberto Ramos Filipe e o terceiro, João Valente Sardo, ambos da Gafanha da Nazaré, não resistiram às queimaduras sofridas na explosão e acabaram por morrer. Triste sorte! O mar foi, é, e será sempre o MAR!!!

Perdeu-se, assim, o arrastão Cidade de Aveiro, com uma existência sobre as águas do mar e da ria, nada tranquila, com a perda irreparável de duas vidas!
Serão bem-vindos comentários de quem saiba mais pormenores.


Imagens – Arquivo pessoal da autora e de Reimar

Ílhavo, 8 de Março de 2009

Ana Maria Lopes
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sábado, 7 de março de 2009

The White Ship


Enviaram-me esta relíquia. Não perco a oportunidade de a divulgar ainda mais. Acho que vale a pena.

The White Ship, já conhecido, mas sempre excelente e comovente, é uma realização de Hector Lemieux, que nos dá a conhecer o quotidiano da vida de bordo no Santa Maria Manuela, na campanha de 1966, em cerca de 15 minutos.
Além do mais, o actor principal, todo galã, é o nosso dedicado Amigo Capitão Vitorino Ramalheira.

Veja aqui o documentário.

A National Film Board of Canadian Production, 1966

Ílhavo, 7 de Março de 2009

Ana Maria Lopes

quinta-feira, 5 de março de 2009

O matola



Das embarcações que, em tempos, se dedicaram à apanha do moliço, na nossa ria, posso afirmar que todas estão completamente extintas, com excepção de alguma bateira mercantela, lá para o lado norte, e de alguns, poucos, barcos moliceiros, que sofreram adulterações e já não se dedicam à sua labuta principal – a apanha do moliço.

Que o moliceiro é capaz de ser conhecido no litoral, de norte a sul do país, acredito. Mas… e o matola?
Não teve a mesma sorte. Caiu mais no esquecimento. Não terá ultrapassado a esfera regional.

No entanto, quem toda a vida veraneou pela Costa-Nova, tem, forçosamente, dele, uma imagem forte.
Espanejavam-se na ria de lés-a-lés, apanhavam e transportavam moliço e toda a família do proprietário, para as romarias setembrinas lagunares. Era vê-los na Senhora da Saúde, no último fim-de-semana de Setembro, na Costa-Nova.
....

Senhora da Saúde de antigamente


Semelhantes aos moliceiros e também conhecidos por mirões ou mirantes, praticavam a mesma faina.

Tinham cerca de 13,59 metros de comprimento, 2,50 m. de boca e 0,40 m. de pontal, proa mais baixa que os seus “irmãos” norteiros e completamente embreados a negro.


Um matola junto ao Triângulo – 1961


Normalmente, os donos eram dos lados do Areão e Mira (nomeadamente, Carapelhos, Gândara, Corticeiro, Ramalheiro, Parada e Fonte de Angeão) e utilizavam como cais de carga e descarga o Poço da Cruz, o Areão e a Quintã.

Eram construídos nos estaleiros dos Colaços, em Portomar, e nos dos irmãos António e João Pimentel Loureiro, por alcunha, os Gadelhas, do Seixo de Mira. O Ti João Gadelha, até aos 40 anos também apanhou moliço, pelos lados da Murtosa, Torreira e Ovar, chegando a andar por lá, cerca de um mês.
Construía mais no tempo do defeso, tendo-me ainda recordado as principais fases da construção, o uso de moldes ou formas, do pau de pontos e outros pormenores.

Os barcos, quando novos, eram “pintados de loiro”, mas, posteriormente, levavam só breu preto, que curava muito bem a madeira – dizia-me.


A vara auxiliava a propulsão à vela – 1930


Os donos não se preocupavam com as pinturas dos barcos, nem queriam gastar dinheiro nisso e os construtores também não usavam qualquer marca, sigla ou divisa, no leme.

Não possuíam a graça, a leveza, a policromia, a harmonia de linhas dos barcos norteiros e os “murtoseiros” até os achavam mal amanhados, imperfeitos e feitos à miroa. Mas tinham a sua graça, modéstia e simplicidade!

Moliceiro norteiro e matola – 1961


Os camaradas, profissionais do mesmo ofício, apesar disso, conviviam em sã harmonia e salutar companheirismo.
A memória dos matolas perdura na mente de quem os “fotografou”, ad aeternum.
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Não esquecer, porém, que os matolas eram também os bairradinos que vinham a banhos para a Costa-Nova, em Outubro, pelos anos 50 e seguintes, depois das vindimas, com os seus hábitos muito próprios.

Cliché de João Teles – 1930
Restantes fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 5 de Março de 2009

Ana Maria Lopes

segunda-feira, 2 de março de 2009

A Evolução da Pesca do Bacalhau



Todos sabemos que o Estado Novo “fez bandeira” da pesca do bacalhau. Convinha-lhe? Às claras? Às escuras? Interessava-lhe o progresso da Nação ou satisfazer a sua própria propaganda?...
O que fizeram outros países, em situação similar?...

Óptima questão para ser politizada como tem sido e para continuar a ser, se se quiser…

Para mim, aqui, chega-me e deixo para vossa apreciação um interessante e apelativo postal que o Estado Corporativo editou e que me chegou às mãos. Estas coisas também chegam às mãos quando se procuram…

Postal editado pelo Estado Português (anos 70)



É uma espécie de “puzzle” formado por algumas das já célebres fotografias de Alan Villiers, durante a não menos famosa “Campanha do Argus”, em 1950.


À laia de legenda, faz-se uma evolução da pesca do bacalhau, em números, comparando os dados de 1935 com os de 1963: número de barcos, sua capacidade de carga e quantidade de homens nela utilizados. Pelos vistos, os números serviam o Estado Novo e eram reveladores…

Lá que as fotografias são bonitas, são, e documentam várias facetas da pesca: o navio-mãe, o acostar dos dóris, o garfar do peixe, os pescadores, as fainas de bordo, os trágicos afundamentos, a pesca individual, a dura salga, os belos veleiros… tudo isto foram cenas da Faina Maior, que a mitificaram, apesar da sua dureza, captadas pela objectiva de Alan Villiers.

Postal – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 2 de Março de 2009

Ana Maria Lopes