quarta-feira, 20 de julho de 2016

Homens do Mar - António Augusto Marques - 13

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Na amurada do arrastão João Álvares Fagundes

Tendo bom relacionamento com o Sr. Capitão Manuel Machado, andava, de dia em dia, para lhe parar à porta de casa da Costa Nova, para ver como «andávamos de espólio de bacalhau».
Muito francamente, associava sempre o nome do Sr. Capitão Manuel Machado ao comando do navio-motor Avé-Maria, durante muitos anos. Tinha a certeza.
Numa tarde soalheira da semana passada, decidi e parei mesmo. Recebeu-me com a amabilidade que lhe é habitual, e com belíssima vista para a ria, lá fomos conversando. Com quem teve mesmo a experiência de pesca, aprende-se sempre muito. Enquanto esperava por ele, ia-me deliciando com a decoração da sala e vendo se em molduras de mesa ou de parede haveria alguma imagem que me interessasse para o efeito.
Algo se havia de conseguir, com calma, já que o seu álbum pessoal já não estava em sua posse.
Mas, ao dar de caras com uma fotografia do lugre Milena e, com espanto, perguntei:
 – Tem aqui uma foto do Milena e, pelo que sei, o Sr. Capitão não andou no Milena.
 – Ah, do Milena, navio americano «Burkeland» construído na Florida em 1918, depois de ter sido adquirido em Génova pela Indústria de Pesca, Lda., foi o meu pai o seu primeiro capitão, na campanha de 1936. O assunto não me era estranho, mas não o conhecia assim com tanto pormenor. Despertou-me interesse e o entusiasmo apoderou-se de mim.
Mas, e fotografias «novas» – pensei de mim para mim – do seu capitão??????? Começo sempre por aí.
De início, não foi fácil, mas as perspectivas alargaram-se, tomei vários rumos e vir-me-iam ter às mãos, fotos que me seduziram e que abriram novas perspectivas.
Segundo companheiros do mesmo ofício, oficiais, o Milena era um lugre com motor, de madeira, com quatro mastros, não um mimo de lugre, mas pesadão, de borda alta, muito trabalhoso para a pesca e difícil de carregar. Mas, apesar disso, criou muitos afectos.

Naufragou por água aberta no Virgin Rocks na campanha de 1958. Dizia anos mais tarde, com a sua piada fina, o Capitão Joaquim Manuel Pereira da Bela, que durante alguns anos comandou o navio: – Só consegui um carregamento completo – 11.394 quintais –, quando ele se encheu de água e foi ao fundo.
António Augusto Marques, de alcunha Marcela, natural de Ílhavo, (1899-1977), viveu, aqui, na Rua João de Deus, lá para os lados do Oitão.
Casado com a Senhora D. Ofélia Marques Machado, teve três filhos, naturalmente, mais velhos do que eu, mas com quem mantenho um afável relacionamento.
Ora, deixemos os entretantos e passemos aos dados biográficos marítimos, que conseguimos «pescar». A sua sedução pelo mar, a admiração pelos veleiros, suponho que terá sido uma tendência natural dos «meninos» do seu tempo, que embarcavam com algum parente ou familiar mais chegado, tendo-se tornado, posteriormente, numa necessidade de trabalho e numa fonte rendimento.
Portador da cédula marítima nº 10489, passada em 1913 pela capitania de Aveiro, na década de 20, já me surgiu como piloto, sob o comando do Sr. José Bola, em 1929, do lugre Amisade, que foi construído na Murraceira por António Maria Mónica, em 1921, para Sociedade de Pesca Amizade, Lda., Figueira da Foz.
Com uma tripulação de 31 tripulantes, não tinha motor auxiliar.
Vendido à Empresa de Navegação Amizade, Lda., de Faro, em 1940, alterou o registo para Faro e mudou o nome para Amizade Primeiro.

O lugre Amizade Primeiro, sem mastaréus, em Leixões
Imagem Fotomar

A informação da década de 30 já é mais abundante, admitindo que na pesca do bacalhau se vivia uma época de crise. Comandou em 1934 os lugres Júlia I e em 1935, o Leopoldina, ambos com instalações de secagem na Figueira da Foz. As fotos com pessoas a bordo dos navios exacerbam-lhes a alma que eles já têm. Possivelmente, no Júlia I, em Lisboa, o capitão Marcela, entre dois primos e amigos, o Eng. Aníbal Ventura da Cruz e Dr. Vítor Gomes, ainda estudante.

A bordo do Júlia I, em Lisboa…-

Na foto seguinte, para além dos dois citados anteriormente, à esquerda, à direita, vê-se Carlos Fernandes Parracho, pai do Sr. Capitão Aníbal Parracho.

A bordo do Júlia I, em Lisboa…
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Em 1936, chega a altura do comando do Milena. Capitão Marcela, imediato, Manuel Pereira Ramalheira e piloto, Mário dos Santos Redondo, mantiveram os mesmos postos entre 1936 e 1938 (inclusive). Foto seguinte.

Imediato, capitão e piloto, a navegarem, no Milena, em 1936

Na campanha de 1940, o nosso capitão comandou o lugre com motor Ilhavense II, tendo como imediato Manuel Pereira Teles.
Nas campanhas de 1940 e 41, o Milena não participou na pesca do bacalhau, tendo sido fretado para viagens de comércio para Itália, ao serviço da Cruz Vermelha Suíça.
Retoma a campanha de 1942 até 45 (inclusive) com o capitão Marcela no comando, tendo como imediato João Maria da Madalena (42 e 43) e João dos Santos Marnoto, em 1944.
Em alturas da Bênção, os ílhavos iam para Lisboa e a bordo dos navios, no Tejo, se alojavam, se possível.
Na imagem seguinte, um grupo de ilhavenses, possivelmente, na campanha de 1942, a bordo do Milena, a saber – capitão Marcela, imediato João Maria da Madalena e sua esposa, Maria do Gil, Senhora D. Raminhos e Capitão Cristiano, entre os quais, a senhora D. Ofélia, esposa do capitão Marcela. E a criança, quem diria? O João António Machado Marques, filho do capitão, com seis aninhos apenas. Que saborosas memórias…

A bordo do Milena, em Lisboa, na bênção de 1942
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Durante as campanhas de 1946 e 47, comandou o lugre com motor Trombetas, construído em Fão para a Lusitânia Companhia de Pesca, Lda. Este é um segundo Trombetas que houve, que, depois da viagem de 1948, acabou por ser desmantelado no Seixal.

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E assim passou da dura, famosa, mítica, mas anacrónica pesca à linha, para o arrasto lateral. Começou por ser imediato nas campanhas de 48 e 49 do arrastão clássico, de aço, João Álvares Fagundes, construído na CUF, em Lisboa, em 1945, para a Sociedade Nacional de Armadores de Bacalhau (SNAB), de Lisboa, sob o comando de João Simões Ré.
Nas campanhas de 1950 e 1951, passou a capitão do referido arrastão.
Na campanha de 1952, comandou o arrastão lateral São Gonçalinho, construído no Estaleiro Naval de Viana do Castelo, em 1948, para a Empresa de Pesca de Aveiro.
Nos anos de 1954, 55 e 56, exerceu o cargo de imediato do arrastão também lateral Comandante Tenreiro, construído nos Estaleiros Navais do Mondego em 1949, para a Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca da Figueira da Foz, sob o comando do Sr. José Augusto Paradela Senos.
Na campanha de 1957, mudou para o arrastão clássico Pádua, sob o comando do Sr. João Morais de Almeida, de Vila do Conde, construído em Aberdeen, Inglaterra, em 1947, para a Empresa Comercial e Industrial de Pesca de Lisboa.
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Durante mais uns anos, poucos, foi imediato do Dione, navio de cabotagem construído nos malogrados Estaleiros de S. Jacinto em 1951, sob o comando de João Maria da Madalena, que já havia sido seu imediato, nas campanhas de 1942 e 43, no Milena.
… E mais uma vida vivida praticamente no mar, longe dos familiares e amigos, tendo ajudado a engrandecer o passado recente da então vila maruja de Ílhavo.
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Fotografias - Arquivo pessoal e gentil cedência da Família do Capitão

Ílhavo, 29 de Junho de 2016
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Ana Maria Lopes
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1 comentário:

marmol disse...

Parabéns Ana Maria por nos trazer à memória mais uma faceta da epopeia do bacalhau.
Conheci o capitão Manuel Machado em 1970 e estive para embarcar sob o comando dele no «Avé Maria» como imediato. Ainda cheguei a ir com ele e o guarda livros da E.P.Lavadores o Sr. Dias, fazer as matrículas dos pescadores até Caminha.
Nesse ano fui de piloto no arrastão de popa «Lutador» quando o Peixoto entrou nos pilotos da barra de Aveiro e o Arménio, que era o piloto, passou a imediato. Era capitão o Luis António.
Fiquei muito contente por saber notícias do capitão Manuel Machado a quem mando um abraço.