segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Homens do Mar - Manuel Nunes Guerra - 21

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Manuel Nunes Guerra

Nesta dança de «cadeiras de oficiais», em que me vou sentando, encontro uma motivação mais ou menos forte para tratar a pessoa em causa no «meu» momento exacto. Normalmente, a facilidade em conseguir imagens de homens a bordo, sua identificação e diversificação dos navios em que andaram, levam-me a «dar prioridade ao seu tratamento». Por outro lado, algumas dificuldades ou controvérsias, por vezes, empancam-me.
Desta vez, foi a antiguidade e a vizinhança, mas não só – também a graça da coincidência da trilogia do apelido Guerra. Explico.
No primeiro número impresso do jornal O Ilhavense, de 20.11.1921, no artigo «Eles que voltam da TERRA NOVA», entre outros, na nossa barra, deu entrada o lugre Guerra, comandado pelo Sr. Manuel Nunes Guerra e pilotado pelo também ilhavense Sr. José Russo Loureiro.
Sabia que tinha havido no princípio do século XX, uma sociedade armadora Nunes, Guerra e Cª, sediada em Ílhavo.
Em casa de pessoa amiga, havia encontrado uma belíssima foto de um lugre de uma candura e suavidade. Só poderia ser o Guerra II a deslizar, por antítese do nome, na calmaria pacífica, inspiradora, reflectora, espelhenta, das águas lagunares… Coincidência?...
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Segundo o Catálogo A Frota Bacalhoeira – Navios de pesca à linha, editado pelo MMI, em Maio de 1999, o lugre de madeira Guerra II foi construído em 1919 na Figueira da Foz por Sebastião Gonçalves Amaro para a Empresa Nunes, Guerra & Cª Lda., de Ílhavo. Participou nas campanhas de 1921 a 1930. Foi vendido à Parceria Geral de Pescarias Lda., Lisboa, para a campanha de 1933, passando a ter o nome de Corça.
Após a campanha de 1936, foi vendido à Companhia Transatlântica Lda., Porto, onde terá passado a ser o Granja, já com motor instalado. Participou nas campanhas de 1937 a 1939 e efectuou viagens de comércio, em 1940.
Naufragou em 1941, nos baixios a norte do Cabo de São Francisco, Terra Nova, quando se dirigia a portos da Terra Nova para carregar bacalhau seco.
Guerra II, Corça, Granja, que dança de nomes e de armadores…o que, acontece., com frequência.
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Que belo veleiro, espelhado em tão tranquila ria…Tem a elegância de manequim, em passerelle, ao exibir todo o seu velame.

Lugre Guerra II

O gosto pela pesquisa confrontada reacendeu-se e comecei a cruzar todos os arquivos marítimos e jornais em que me era facultado mexericar.
Manuel Nunes Guerra, natural de Ílhavo, nasceu a 7 de Fevereiro de 1896. Casado com a Senhora D. Irene Rigueira, sempre foi meu vizinho, de frente, na Rua Ferreira Gordo.
Obteve a cédula marítima nº 9435, na Capitania de Aveiro, em 20 de Outubro de 1910.
Depois de algumas viagens de que não conseguimos informação, o capitão Manuel Guerra, com 25 anos, já comandara o lugre Guerra II, nas campanhas de 1921, pilotado por José Russo Loureiro, como já referi, a de 23, por António Fernandes Matias, as de 26 e 27, por António Augusto Marques (Marcela), de 28, por António Fernandes Matias (Cajeira), de 29, por José Vaz Mano e de 30, por António Simões Picado.



Mesmo sem data certa, sem nome de navio, nem conhecimento da pessoa que acompanha o Capitão, a imagem é rica em pormenores marítimos de um antigo veleiro, em data anterior aos anos 40.
Porventura, em anos de crise, poderá não ter embarcado. Não há dados. Na campanha de 1934, comandara o lugre Maria Carlota. Ex-Estrela I, construído em 1918, no Canadá, tomou o nome de Maria Carlota, na campanha de 1927, e na de 1934, tornou-se propriedade de João Norberto Gonçalves Guerra.

Lugre Maria Carlota


Nas campanhas de 1935, 36, 37 e 38, comandou o lugre Infante, da praça do Porto, pilotado, respectivamente pelos ilhavenses Manuel Fernandes Matias (36) e João da Silva Peixe (37 e 38).
Sobre a campanha de 1938, encontrámos dados fornecidos pelo jornal O Ilhavense de 28 de Maio de 1938: – Quando na última terça-feira, à tarde, metia carburante, o lugre Infante, em Lisboa, para no dia seguinte iniciar a viagem para a pesca do bacalhau, devido a uma imprevidência de um daqueles trabalhadores daquele serviço, que, com uma vela acesa, pretendia ver se o depósito estava cheio, deu-se uma explosão a bordo do lugre, pertencente à Firma Transatlântica, do Porto, e comandado pelo Sr. Manuel Nunes Guerra, desta vila
Apesar de socorrido por rebocadores que andavam perto, parece que ficou impossibilitado de fazer, este ano, a sua viagem à pesca, tendo já os pescadores retirado para as suas terras.
Os prejuízos são elevadíssimos, mas estão cobertos pelo seguro. Felizmente que a explosão não atingiu os bidões de gasolina, que havia a bordo.

Na campanha de 39, o Sr. Capitão Guerra estreara (era sempre um prazer e uma honra) o lugre com motor Aviz, construído nesse mesmo ano por Manuel Maria Bolais Mónica, para a Companhia de Pesca Transatlântica, Lda., com praça no Porto. Comandou-o até 1947 (inclusive), mantendo sempre como seu imediato o ilhavense João da Silva Peixe.
Pai e filho mais novo, a bordo do Aviz, em dia de Bênção. 1941


Em 11 de Março de 1948, a nossa frota, enriqueceu-se com o bota-abaixo de mais dois navios bacalhoeiros, na Gafanha da Nazaré – os lugres Condestável e Coimbra, o primeiro com sede no Porto e o segundo com sede em Coimbra.
A cerimónia realizou-se com a solenidade e o aparato próprios destes actos, tendo sido servido na Costa Nova do Prado, um almoço aos membros do Governo, no Hotel Beira Ria, tendo percorrido as dependências daquela casa e felicitando o Sr. António Félix, pela sua iniciativa. Mesmo pouco a propósito, não me contive sem passar esta informação. Dá que pensar…
Mas, voltando ao nosso capitão, mais uma vez, inaugurou, no seu comando, o navio Condestável, lugre de quatro mastros, nele se tendo mantido até à campanha de 1952 (inclusive).

Condestável, na entrada, na barra do Porto…
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Os imediatos foram oriundos do Porto, Lisboa e Espinho. Os pilotos, nos anos de 1950, 51 e 52, foram respectivamente Manuel Gomes Craveiro Guerra, residente em Aveiro e o ilhavense Joaquim Manuel Marques Bela.
Ílhavo era copioso em oficiais, que se agrupavam, em circunstâncias várias. Nesta foto, com colaboração de amigos, só não conhecemos os dos extremos, superior, esquerdo e inferior, direito.
Será com agrado que, os menos jovens os identificarão e recordarão.

Grupo de oficiais, por volta de 1950
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E a vida vai rodando para todos – tantas viagens, tantas saídas e regressos. Que dureza de vida e saudade dos seus e do seu Ílhavo.
O «nosso» capitão deixou-nos prematuramente, em longa viagem, sem regresso, com 57 anos de idade, em Fevereiro de 1953.
Se bem me lembro, uns dias antes da partida do meu Avô Pisco.
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Imagens – Arquivo pessoal e gentil cedência de familiares.
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Ílhavo, 10 de Outubro de 2016
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Ana Maria Lopes
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