domingo, 18 de fevereiro de 2018

Homens do Mar - João Pereira Ramalheira Júnior - 42

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João Pereira Ramalheira Júnior

Depois de uma conversa amena e agradável com o amigo Capitão Vitorino Ramalheira, na sua encantadora e aconchegada casa de Vagos, sobre o Rio Boco, mais uma vez me fez sentir que gostaria que eu reunisse o possível currículo marítimo relativo a seu avô, João Pereira Ramalheira Júnior. Foto introdutória, há-a, belíssima, cheia de charme. E fontes seguras escritas pelo próprio pulso, que se podem utilizar com confiança, também. Então, vamos a isso, mesmo com algumas dúvidas que sempre perdurarão, quando se penetra no tempo.
João Pereira Ramalheira Júnior, filho de João Pereira Ramalheira Sénior e de Rosália Joaquina de Jesus, nasceu em Ílhavo no dia 23 de Junho de 1874, pelas 11 horas da noite – declara ele. Do casamento com Victorina da Graça Rocha a 27 de Novembro de 1897, nasceram doze filhos, de que faleceram cinco, ainda crianças. A mortalidade infantil era muito elevada, ao tempo. Restaram – João, Aníbal, Judith, Ângelo, Paulo, Maria Rozália e Elmano.
Este guerreiro marítimo matriculou-se na escola de pilotagem da Capitania do Porto do Porto, com 17 anos, em 1891, com três companheiros do norte e dois de Vila do Conde. Apresentados a exame em Outubro, saíram aprovados. Depois de uma visita a Ílhavo em Janeiro de 1893, seguiu para Lisboa a bordo da barca Maria Luiza, referindo nos seus escritos: – Saí em Fevereiro para África (Loanda), ocupando no citado navio o lugar de moço de governo, fazendo as minhas derrotas à prôa, nas horas do meu descanço.
Regressou a Lisboa em Setembro deste mesmo ano de 1893, tendo conseguido entrar na aula do Sr. Morais como ouvinte. Inscrito em exame, ficou aprovado com a classificação de 12 valores. De surpresa, apareceu em Ílhavo, já piloto, e a 10 de Novembro foi para bordo da chalupa Baccarat, em Viana do Castelo, como marinheiro, sendo mestre o seu querido pai. Já que o navio não tinha contramestre e a tripulação assim o entendeu, foi designado como tal, para fazer a viagem de Viana a Lisboa e vice-versa.
Tendo chegado e desembarcado a tripulação, para poupar o pai, ficou no navio só com o moço a meter carga e aprestos para a futura viagem que seria sob o comando de um dos seus tios.
É possível que a chalupa Baccarat fosse a citada pelo investigador esposendense José Eduardo de Sousa Felgueiras, no livro Sete Séculos no Mar (XIV a XX), Vol. III, p. 147. O referido navio foi construído em 1891 nos estaleiros de Fão por José Dias dos Santos Borda Júnior, para José Fernandes Pereira Júnior, da praça de Aveiro. Não foi arqueada na data da finalização da construção, tendo ido à água em 25 de Agosto de 1891. A tripulação foi matriculada em 23 de Setembro de 1891, sendo todos os elementos de Ílhavo.
Em Janeiro de 1894, em Viana, fui lembrado para capitão da chalupa D. Rosa e também para piloto do hiate Manoel Espregueira, mas como as soldadas não me convinham, voltei para Ílhavo – relembra.
Acontece que, em 1894, o seu cunhado João Pereira Ramalheira (o Pisco) passaria a ser capitão, nesse mesmo ano do patacho Neptuno da Parceria Geral de Pescarias (PGP), em viagem para os Bancos da Terra Nova e, ele, com vinte anos apenas, teria preferência para o lugar de piloto, a que voltou em 1897 e 1899. E assim foi.
Nas safras de 1895 e 96, passou, como piloto, pelo lugre Labrador.
Com 22 anos, fez parte do famoso grupo inicial Chio-Pó-Pó de 1897, que saiu à rua a propósito duma charge político-local, com Dr. Samuel Maia, Marcos Ferreira Pinto Basto, João Francisco da Rocha, Eduardo Craveiro (Pai), José Craveiro Júnior, Diniz Gomes, Manuel Sacramento, Manuel Teles Júnior, Abel Regala, Samuel Ramos, José Mendonça e Adriano Neto Júnior.
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João Pereira Ramalheira é o que está sentado
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Na primeira viagem após o casamento, na safra de 1898, embarcou no Porto, na barca Quitéria, como piloto e depois como piloto e contramestre, por negligência deste, tendo saído para o Rio de Janeiro, em Março, e regressado da Estado de Santa Cruz – Brasil – em Fevereiro de 1899.
No ano de 1900, embarcou de piloto no lugre Argus, aquele velhinho lugre de madeira, construído em Dundee, Inglaterra, em 1873.

Antigo Argus. Foto do Cap. Almeida, 1934
 
Quase definitivamente, ascendeu ao cargo de capitão, nos anos de 1901 e 02, da escuna Hortense, a que já não voltou.
Em 1903 e 1904, embarcou no lugre Gamo, em 1903 de piloto e em 04 de capitão, a que terá voltado nos anos de 1909 a 1912 (inclusive). Para os mais interessados, que lugre Gamo teria sido este?
Um primeiro lugre-patacho Gamo construído em Inglaterra, no estaleiro de Ed. Tayport, tendo sido dado por concluído durante o mês de Março de 1874. Foi inicialmente baptizado com o nome de Rena, tendo sido matriculado na praça de Dundee.
Colocado à venda em 1885, foi comprado pela firma Bensaúde & Cª., e registado nos Açores. Em 1891, com a transferência desta empresa para Lisboa, o navio passou, desde então, a navegar registado em Lisboa, mas, à época, sob propriedade da recém-formada Parceria Geral de Pescarias.
No registo de 1899 o navio já se apresentava armado em lugre. Todavia, poderá aí haver alguma incorrecção, com base em foto da Ilustração Portuguesa, de 1907, onde o navio foi retratado com aparelho de lugre-patacho. No entanto, é bem provável que, por facilidade de operação vélica, o navio tenha, sido armado em lugre, durante o período entre 1909 e 1913. Depois de ter ficado em terra, na Azinheira no ano de 1905, refere o próprio que exerceu o cargo de capitão no hiate Razoilo, nos anos de 1906 e 07.
Aqui, é de parar e respirar fundo. Temos pano para mangas. Houve, de facto, pelo menos, dois hiates Razoilo – constata-se.
O primeiro, referido na p. 102 do já citado livro do investigador esposendense Sousa Felgueiras, Razoulo 1º – (Razoilo), hiate, foi construído nos estaleiros de Esposende em 1859/60, por António dos Santos Garcia, para José Razoulo, de Ílhavo. Matriculou a sua tripulação de sete elementos na Delegação em Esposende, em Junho de 1860, sendo o mestre José Razoulo, de 40 anos e o contramestre José Simões Ré (?). Toda a tripulação era de Ílhavo, à excepção do «moço de bordo», que era de Viana.
Em contrapartida, o hiate Razoilo de que aveirenses e ílhavos falam, que, de Aveiro, juntamente com o Náutico, foi um dos primeiros a retomar a Grande Pesca foi construído (atesta-o a tradição oral), em 1899/1900, num pequeno estaleiro, na Malhada (Ílhavo), por António Mónica, pai do Mestre Manuel Maria Mónica. Do estaleiro, era proprietário o Sr. Razoilo, de quem era sócio o «nosso» João Pereira Ramalheira Júnior, que fez duas viagens (já citadas) como capitão, no referido hiate, em 1906 e 1907, cujo salário de capitão serviu de moeda de troca para o pagamento da sociedade, segundo notícia do jornal Beira-Mar, de 21.4.1923.

Hiate encalhado denominado Razoilo. Sempre ouvi dizer que era este último, o construído na Malhada

Depois de uma primeira viagem feita na escuna Creoula, na safra de 1908. a  última viagem aos Grandes Bancos, atestada pelo próprio capitão, foi feita na mesma escuna, no ano de 1913, em que adoeceu com  uma pneumonia, que conseguiu curar a bordo do navio-hospital francês St. François d'Assise, onde marinheiros portugueses eram hospitalizados e do qual recebiam, eventualmente, a necessária ajuda humanitária.

Escuna Creoula. Foto de autor desconhecido.

No ano de 1914, ficou em terra, empregado na seca, como supervisor dos terrenos que a PGP, aí detinha, em Darque, na margem esquerda do rio Lima. Terá sido a fase menos conhecida da sua vida, coincidente com os anos da I Grande Guerra. Fez uma viagem a S. Miguel no Gamo, em 1916, com objectivos ignotos, dirigindo-lhe, posteriormente uma obra, em Viana.
Tendo, por esses anos, a pneumónica passado por todos os familiares, sem que os ceifassem, deu ordens, para que, logo que possível, toda a família seguisse para a Azinheira. A 17 de Novembro de 1918, assim sucedeu, tendo ido todos – o Aníbal, a Judith, o Ângelo, o Paulo, a Zália, a mãe e a criada (o João estava emigrado no Brasil).
Gerente da Parceria Geral de Pescarias, a partir de Outubro de 1918, aposentou-se  em 1935, tendo vindo viver definitivamente para Ílhavo.

PGP. Azinheira Velha, em 1931

Várias e árduas teriam sido as tarefas da gerência de uma empresa como aquela, sobretudo, no pós-guerra, mas uma que destaco, porque já a conhecia, foi todo o apoio que deu à construção do lugre com motor, Hortense, pelo mestre Manuel Maria Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, em 1930. Segundo imprensa da época, o navio, que passou por algumas contrariedades no deslize, no domingo, em 4.4.1930, só as ultrapassou na segunda-feira. Em casa de João Pereira Ramalheira, nosso conterrâneo e gerente da PGP, em Ílhavo, foi servido um copo de água, aos convidados.
 
 Na sua terra de origem  faleceu, vítima de trombose, em 7 de Julho de 1944, com 70 anos.
Não há dúvida que a família Ramalheira, entre outras, de Ílhavo, nasceu para a vida de mar…
João Pereira Ramalheira Júnior, por todas as suas experiências, proezas, aventuras e vivências, foi um homem do mundo, sempre com a sua sede em Ílhavo.
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Ílhavo, 11 de Fevereiro de 2018
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Fotos cedidas pelo neto Vitorino Ramalheira e arquivo pessoal da autora.
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Ana Maria Lopes
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